Il Freddo dell'inverno
Por Heder Leite
O
frio consome os mais fracos e injustiçados. Recai sobre os ombros castigados
pela dor, pelo amor, pela esperança infundada. O frio queima a alma, arde às
juntas, escaldeia a pele; faz sofrer a tez, maltrata as artérias e dilacera o
coração. Nos poucos dias de frio que a Rua dos Inválidos viveu, Jaime esquentou-se
com seus acordes, abraçado ao seu pequeno e cinza chapéu, esperando que o
amanhecer trouxesse um novo sol, uma nova luz e um novo calor.
O
inverno traz o cinza, leva as nuvens pra bem longe, ventilam o doce e suave
sabor do aconchego, esquecido nas tardes calorentas da Cidade. Nas tardes frias
de junho, com gotículas finas de chuva fria, Jaime espera por seus clientes,
enquanto afaga o primeiro cão que lhe faz companhia desde a véspera solitária.
As pessoas desfilam casacos encardidos, mofados. Coberturas enfeitam o
horizonte; os olhos estão desmascarados, com os óculos escondidos nas gavetas e
nos fundos das bolsas. Jaime poderia ver cara a cara, enxergar o mais íntimo do
olhar alheio, entender a dor, decifrar a paixão, a angústia, o anseio. Resolveu
levantar; resolveu tocar, apesar das gotículas, apesar do frio.
Em
movimentos repetitivos, o som de seu violino alcançava o outro lado da rua.
Seus pelos arrepiavam-se com o movimento, balançavam com o vento gelado e
tremiam diante dos vultos que se esquivavam em parar a sua frente. Um jovem de
pele clara parou na sua barraca e começou a admirar o seu canto. Pequenos movimentos
em sua cabeça denunciavam uma vontade de seguir o ritmo escaldante do inverno.
Seus olhos eram, porém baixos, e enxergavam o infinito, muito distante, sem uma
convergência exata, sem um destino traçado, sem ao menos traços. O rapaz sentia
o fundo da canção e parecia sonhar acordado, não parecia olhar diretamente para
Jaime; seu olhar era distante, baixo, ressoando de leve sua cabeça, em
movimentos rítmicos. Não vestia casaco e usava uma cobertura antiga,
acinzentada como o tempo, como o céu, como sua alma.
Jaime
continuava sua canção; sua fronte forçava o seu desejo e expressava certa dor.
O relento aproximava o rapaz do velho louco. Suas calças pareciam moderninhas,
fora da época de sua mente e de seu olhar. Seu olhar aproximava-o do passado,
de seus erros, a ponto de sentir desespero e incerteza. Jaime acreditava nisso
e continuava sua canção, apertando o violino contra o seu peito aberto e
gelado. Escutava do rapaz suas penas, suas perdas e via em seus cílios
entreabertos e embebidos com o orvalho seco um certo tom de desesperança. Jaime
podia apenas tocar sua canção.
À
luz de um feixe solar, cegando parcialmente sua limitada visão, viu o rapaz
sentando na calçada, amarrando os seus calçados com um cadarço sujo de lama.
Limpou suas mãos na própria calçada, levantou-se e seguiu rua abaixo, pouco
antes do término da canção que Jaime entoava. Não deixou nada no chapéu do
velho, apenas um longínquo olhar que lhe mostrava um futuro incerto e um
presente conturbado e triste. Como o inverno sem agasalho, o frio sem abraço.
Em
fá menor, Jaime interrompia sua canção e tentava enxergar ao fundo o destino do
rapaz, perambulando a esmo pelo canto de sua rua, tropeçando nas esquinas de
sua vida, caindo e levantando. A fina chuva havia cessado; Jaime sentou a frente
de sua barraca, pegou seu velho chapéu e aqueceu o faminto cachorro que
abraçava suas pernas desde as primeiras horas do dia.
Secou
seu violino, alinhou suas cordas e dormiu.
(continua...)
Estou lendo e me emocionando e querendo mais, bjss
ResponderExcluirQuem tem um coração terno, enxerga com ele.
ResponderExcluirÉ capaz de ajudar com o pouco que tem.
Jaime tocou violino.
Linda forma de escrever e traduzir o mundo de jaime
Zizi