Paranoico Virtual


Curtindo a Ideia
Por Heder Leite

     Era costume de João cortar as unhas antes das consultas. Não queria deixar que nenhum excesso pudesse influenciar na interpretação de sua fala; achava que os fâneros falavam por si só. Sujeira no meio das unhas revelava estresse subagudo, minimizado após um tempo de relaxamento ou coisa parecida. A sujeria nos cantos das unhas podia significar fragilidade emocional em uma pessoa à espera de um alicerce, ou algo do gênero. As unhas grandes afastam as pessoas e revela uma pessoa solitária e abnegada. As cutículas por fazer eram sinais claros de alguém desorganizado; pequenas feridas podiam sinalizar iminência de ideação suicida. Eram muitas interpretações que João gostaria que fossem julgadas no momento da consulta. Cortar as unhas era uma forma de João esconder seus sintomas, limpar as unhas, apesar de um ato higiênico, para João, era um ato que o deixava enigmático, obscuro, pronto para ser analisado.
     João acreditava nisso até ficar sabendo que os analistas usavam outros métodos além das características das unhas. A grafia, o tom de voz, o jeito do cabelo, enfim, tudo era analisado. João entrou em paranóia; deveria haver uma forma de o analista não ser facilitado; era injusto sua mente ser analisada por características físicas, timbre de voz, quantidade de tinta na caneta.
      Faltava menos de uma hora para a consulta e João precisava de uma plano. Pensou por um instante, olhou para os seus livros, ficou com fome, bebeu café e... nada. Pensou em ligar e desmarcar a consulta mas isso poderia significar uma fuga, o analista pensaria que ele estava com medo de abrir sua mente; poderia pensar que seu cliente era um serial killer e que sua mente escondia os motivos, os atos e a próxima vítima. À noite a polícia invadiria sua casa com um mandado e não teria dinheiro pra pagar a fiança. Apodreceria na cadeia e morreria com as unhas sujas, grandes e mal feitas, até porque na cadeia é proibido objeto cortante. Era melhor não desmarcar a consulta.
      Foi então que João entrou na internet e teve uma ideia. Teria uma consulta on line, assim, seu terapeuta não encararia suas unhas, poderia até roê-las diante da tela; não viria a força com que ele teclava as palavras de lamento ou de revolta; seu grito seria uníssono; suas olheiras não vistas e respeitadas. Mas João temeu uma coisa: será que o analista perceberia a sua forma rústica de escrever, interpretando dessa forma um perfil arrogante, que, naturalmente não corresponde à verdade. E os erros de linguagem, como ele interpretaria? Não seria uma boa ideia.
      João tinha a solução. Ligou para a secretária de seu analista, o dr. Sig, e solicitou que o colocasse à frente da tela do computador. Mesmo sem entender, o dr. Sig pôde ver aberta a página do Facebook e no canto inferior direito a foto de seu cliente. Deu de ombros para a secretária, ajustou os óculos e leu: João está digitando uma mensagem...
      Esperou mais um pouco tentou decifrar o que seu cliente tentava lhe dizer.
      8-) // (yn) hoje no facebook. // :-) se ok, ou :-P se negativo

     O doutor Sig enrugou a fronte e questionou sua secretária, que, em menos de trinta segundos, decifrou pro velho analista:
    - Doutor de óculos, ficarei de dedos cruzados para o senhor me atender hoje pelo facebook. Ficarei feliz se puder, caso contrário...
    • O quê, minha filha?
    • Ele mandou uma língua, eu acho...
       Instale esse troço na minha sala, esse caso é pior que eu imaginava.

(Continua...)

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Obrigado pelo seu comentário!