La sposa della notte
Por Heder Leite
Por algum tempo, Jaime trabalhou bem próximo à esquina com a
Rua da Relação. Ali conheceu o vulto dos anciãos, o apito dos pássaros, o
alvoroço das crianças perdidas, a matriz de suas paixões. Permaneceu ali
enquanto pôde. Por várias vezes, sentiu a umidade em suas coxas, o frio em seus
tornozelos. Sempre que chovia um pouco mais, a Rua dos Inválidos alagava. E a
mente de Jaime encharcava com seus sonhos, mergulhados em algum ponto do
passado ainda vil, ainda lúcido, ainda vivo. Achou o velho cego que estava na
hora de mudar de lugar; pegou seu chapéu furado, seguiu o andar mórbido de sua
própria sombra e acolheu-se ao lado da Igreja Santo Antônio dos Pobres.
Era sábado. A Rua dos Inválidos tinha um movimento incomum
naquela noite. Jaime percebia as luzes de faróis, o barulho de vozes excitadas,
ansiosas, alegres. O destino daquelas vozes era a Igreja. Não sabia dizer se se
tratava de uma reunião, uma missa fora de hora. Garoava àquela hora e algumas
pessoas corriam para dentro da paróquia. Algumas buzinas incomodavam os
transeuntes; alguns moradores se chegavam às janelas; uns jovens angariavam uma
vaga de cuidadores de carros, outros se acolhiam nos cantos da rua como
curiosos, sem o quê fazer. Alguns se atiravam no meio dos outros com intenção
maquiavélica, de tirar o que os outros não tinham, talvez a dignidade, o que
Jaime não conhecia em sua pele, em sua longa sensação de fome e angústia.
Naquela noite, um casamento movimentava a Rua dos Inválidos.
Jaime ressoava sua leve e doce mente a momentos longínquos, sem saber o que
sentir, sem tirar de sua mente o que realmente lhe enchia naquele instante. O
véu da noiva balançava em sua linha de visão, podia perceber o suor e leveza da
pele da bela moça, pele escaldante, alva, contrastando com seus fortes cabelos
presos a arames invisíveis. Jaime entoou uma nova canção, num novo ponto da
rua, ao lado da Igreja, bem perto dos pobres.
A noiva, ao sair do carro, viu o velho cego acertando as
cordas de seu instrumento; percebeu que a olhava com a fronte abaixo de sua
linha de visão, como se tivesse medo do horizonte, do que viria, do que
aconteceu. A noiva pediu um tempo, sentou-se a beira do carro e, a despeito dos
pedidos alheios que entrasse na Igreja, pediu um guarda-chuva e observou o
cântico de Jaime.
Não queria lembrar de seus erros e suas mentiras; sentia a
bateria de sua vida a poucos metros dali, a poucas palavras, resumida a um
simples sim ou um simples piscar de olhos. A noiva transparecia em sua alva tez
uma fuga jamais sentida, queria promessas, histórias pra contar. Queria voar,
queria viver, queria saber o que fazia ali naquela hora. O cântico invadia sua
alma, entendia o seu erro, trazia-lhe honras, salvas; seus olhos denunciavam a
desigualdade deflagrada de seu coração. Trazia uma noiva a si, derramava em seu
vestido acinzentado o óleo da tristeza e a angústia da solidão. Sabia que era
hora de se libertar, de se prender, de pular, de cair, de se gostar e de odiar.
A noiva sabia. Jaime também.
A chuva não limitava o velho cego, que tocava cada vez mais
forte, confundia o seu futuro com seu presente amargo e duvidoso. A noiva
chorava a chuva em sua fronte, trazia o início para o fim e não conseguia
enxergar o que via, de verdade. O que existia em sua mente transbordava na
invisibilidade alheia, fazendo crer que sua fé se tornava perigosa, mas ainda
sã. A chuva trazia um ar seco, as lembranças jamais esquecidas, os amores
jamais amados, o desejo jamais realizado. A noiva queria o bem; Jaime achava
que tocara bem, mas o dito repetido é mais forte, é o que marca, é o que fica.
É o que mesmo debaixo de chuva se mantém seco, como o colo dos pais, dos
amantes, dos corações puros.
A noite repelia a insegurança; fazia forte o fraco, alto o
baixo. O amor transbordava os absurdos, o medo, a malícia. Jaime confundia as
mentes sãs e sábias daquela noite; a noiva atrasava o cerimonial. Eles se
olhavam durante a canção que alimentava os ouvidos mais atentos da calçada;
acordavam casas ao redor; mentiam para os santos que os observava; adoeciam as
crianças mal alimentadas, debruçadas sob seu nariz; dormiam sob suas mentes
enganadas e suadas. Jaime percebia nos lindos olhos castanhos escuros da noiva,
combinados com a tonalidade de seus cabelos, uma louca vontade de amar e ser
amada. Viu a noiva levantar-se, ao seu tempo; enxugar uma gota de lágrima
barrenta em sua face, olhar a Lua por longos dois ou três segundos e seguir para a entrada da Igreja. Antes de entrar, porém, uma tórrida
tempestade caiu sobre a Igreja Santo Antônio dos Pobres. Jaime se escondeu na
Rua dos Inválidos, em algum canto onde pudesse encolher seu violino e descansar
até Sol voltar. Não pôde ouvir o sim da noiva, tampouco experimentar do arroz
do matrimônio.
Os
espelhos se quebraram e Jaime não enxergou o reflexo da sua noiva naquela noite,
que agora canta em Fá ou Só em sua pobre e cega mente.
(Continua...)
NOSSA!!! Como assim??? E a noiva?? casou ou desistiu???? Fiquei mto abalada com essa história, heder!! Esse Jaime tá causando mto tumulto!!!
ResponderExcluire aí??? Essa historia nao continua não????? =]
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